quinta-feira, 30 de junho de 2011

INDIGNAÇÕES DE CLARA

A Clara anda muito indignada com essa imposição de cor-de-rosa para meninas e azul para meninos. Já perguntou algumas vezes quando isso começou, quem teve essa ideia, porque teve essa ideia e acha tudo isso muito nada a ver. Decidiu, então, que vai cometer seu primeiro ato de rebeldia contra o sistema e vai encher o irmão de rosa. Eu, que quero ser uma mãe moderna, mente aberta e livre de preconceitos apoiei sua atitude. Mas, aqui, longe dela, tenho que confessar: fiquei meio insegura.

terça-feira, 14 de junho de 2011

MUITA CALMA NESSA HORA

A maioria dos meus posts aqui (se não todos) são escritos para mim. Eles têm a função de fazer com que eu não esqueça das minhas convicções, de me lembrar que, talvez, o melhor é não ter convicção nenhuma e poder mudar de opinião sempre, ou, simplesmente, de registrar uma descoberta, um acontecimento na minha vida e na dos meus filhos. E este não foge à regra. Talvez, inclusive, seja o que mais tenha esse caráter de “auto-ajuda”. Sou eu dando conselho a mim mesma. E devo admitir: os conselhos que me dou são ótimos. Se eu pusesse eles em prática, seria, provavelmente, a pessoa mais sensata, bem resolvida e legal do mundo. E agora, quanto mais se aproxima o momento de partir rumo a uma aventura de seis meses em terras estrangeiras com dois filhos, um marido e muito medo, mais se faz necessário lembrar que no fundo de mim existe uma ponta de equilíbrio emocional e que os problemas que me afligem talvez nem sejam mais problemas, uma vez que eles já estão solucionados. A saber:
  • falso problema número 1: minha filha mais velha vai deixar amigas, avós, tias, primos, atividades extra-curriculares e escola por seis meses. E eu, inevitavelmente, assumirei  o posto de substituta de todas essas coisas, inclusive da professora.
  • solução: não serei substituta de todas essas coisas. Não só porque não posso como porque acho que nem devo mesmo. Os avós, amigos, tios e primos continuarão aqui e manteremos muito contato com todos eles. A saudade fará parte da experiência. É mais uma das coisas que a Clara vai vivenciar pela primeira vez na vida e terá que aprender a lidar com ela. Quanto ao papel de professora, esse sim deverá caber a mim, junto com o de mãe compreensiva, dedicada e legal, que vai fazer com que o processo todo ocorra não apenas sem traumas, mas também com muita tranquilidade e leveza. O de professora não me assusta muito, uma vez que a Clara é super interessada e dedicada aos trabalhos da escola. Já o de mãe tranquila e leve, assusta um pouco.
  • falso problema número 2: meu filho menor não terá ainda quatro meses quando estivermos embarcando. Está na fase em que as visitas ao pediatra são mais necessárias do que nunca. É preciso acompanhar, com atenção, seu desenvolvimento e crescimento e estar muito alerta a qualquer sinal que indique algum problema de saúde, que, nessa fase, pode ser crítico.
  • solução: veja bem, somos pessoas bem informadas, com o mínimo de bom-senso e com contato com o mundo externo. Acho que somos capazes de perceber se alguma coisa estiver indo muito fora do esperado com a saúde e desenvolvimento dos nossos dois filhos. E depois, mesmo sendo estrangeiros e tendo acesso limitado ao sistema público de saúde deles, estamos viajando com seguro saúde, estaremos vinculados a uma universidade que conta com um hospital e teremos uma reservinha de dinheiro que nos permitirá pagar um médico particular, caso seja necessário. Tenho certeza que médicos existem por lá e não há de ser assim tão difícil falar com um deles.
  • falso problema número 3: minha saúde. Não que eu seja uma pessoa altamente debilitada, mas tenho uma doença crônica e um certo medo de que as coisas se compliquem justamente enquanto estivermos fora, me impedindo de cuidar direito dos meus filhos.
  • solução: essa doença foi diagnosticada há sete anos e mesmo seus piores momentos não foram tão ruins assim a ponto de justificar intervenções mais drásticas e nem sequer me impediram de fazer alguma coisa. Além do mais, estou tomando, obedientemente, todos os remédios indicados e não há razões para não acreditar que as coisas só vão melhorar daqui pra frente.
  • falso problema número 4: pela primeira vez na vida seremos só eu e meu marido com os filhos. Não vai ter amigas e amigos pra dar uma desestressada da rotina da casa,  não vai ter sogra pra dar uma ajuda com as crianças, não vai ter mãe pra fazer tudo isso e ainda cuidar de mim.
  • solução: esse é o mais difícil! Diria até que é o único que pode ser considerado, de fato, um problema, já que ainda não tem uma solução. Acho que tem que ser solucionado lá, dia após dia. Mas vai ajudar muito já sair daqui com a consciência de que esses seis meses deverão ser um parêntesis nas nossas vidas e se eu ficar todo esse tempo tentando, em vão, viver a vida do mesmo jeito que eu vivo aqui no Brasil, com a mesma organização e o mesmo controle sobre tudo, eu nunca vou me perdoar. Tudo vai ser diferente e tem que ser assim para que a experiência valha a pena. Se por um lado a convivência em família vai ser intensa e exclusiva, a parte chata da rotina da casa não deve existir. Vai ser tanta coisa diferente pra ver, aprender e viver que não deve sobrar tempo pra coisa chata. O negócio é acreditar com todas as forças que sou a mais desencanada das criaturas, pronta para descobrir o mundo com um filho na mão e outro pendurado nas costas, trocando fraldas cocozentas no meio do trem com a maior desenvoltura e bom-humor. E, além do mais, vamos ver se eu finalmente cresço e admito que quem tem que cuidar de mim sou eu mesma e chega de ficar delegando aos outros essa função.
  • falso problema número 5: como vai estar a casa quando voltarmos? Como vou acomodar todas as coisas que vamos trazer? Eu sei. Esse problema é tão ridiculamente falso que eu deveria ter vergonha de falar em público (mas parece que não tenho). Tenho total consciência de que 99,9% da população jamais vai conseguir enxergar isso como um problema, mas, para mim, que tenho cá minhas questões e gosto de vivenciar intensamente o fim das histórias (ou melhor, só a parte ruim dele) antes mesmo delas terem começado, isso é motivo de angústia profunda.
  • solução: nesse caso, só tomando muito remédio pra gente louca mesmo. Se não funcionar, interna.
  • falso problema número 6: como arrumar a mala? O que levar, o que não levar? Oh! E agora?!
  • solução: a mais fácil de todas, uma vez que esse problema também pertence à categoria dos ridiculamente falsos, assim como o de cima. Coloca-se na mala o que couber na mala. Enchendo-se a mesma, para-se de colocar. Sim, serão seis longos meses fora de casa, mas, ao menos que sejamos candidatos escolhidos por Jacob para proteger a luz, nosso destino será a Inglaterra e não uma ilha sinistra no meio do pacífico. Acredito profundamente que encontraremos lá, sem grandes dificuldades, qualquer coisa que precisarmos.


Viu? Tudo (ou quase) resolvido. Agora é só ficar lendo isso aqui diariamente pelos próximos seis meses.