quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CADA UM NO SEU RITMO

Estavam, Theo e mamãe, bem contentes no seu mundinho. Alheios ao que acontecia à sua volta. Bebês nasciam, bebês cresciam, bebês aprendiam a segurar coisas, a engatinhar, a andar, a falar. O Theo aprendia algumas coisas também e mamãe curiosa, mesmo sabendo que isso é coisa perigosa de se fazer, comparava seu progresso com as informações encontradas na internet. E se dava por satisfeita. Porque, apesar de recorrer à sabedoria de google, sabia que bebês são diferentes uns dos outros, cada um se desenvolve em um ritmo, alguns atingem certos marcos antes, outros depois e etc. e tal. Tudo muito consciente e cheio de bom senso e tolerância. Até que.... mamãe e Theo saem do seu mundinho e resolvem encarar uma aula de estimulação para bebês. O pai inscreve eles na turma de 6 a 18 meses e a mãe apoia incondicionalmente: “Imagina!!! Na turma de 0 a 6 meses só vai ter bebezinho que não sabe fazer nada. É claro que o Theo, meu filho, tem que ir pra turma dos maiores”. Chegando lá, são alertados que se trata de uma turma de crianças um pouco mais velhas e que talvez não seja adequado para o Theo, mas era preciso avaliar antes, porque cada bebê é diferente, cada um se desenvolve em um ritmo, etc e tal. A mãe, com cara de madura e bem resolvida, concorda com tudo que a moça diz, mas pensa, tomada de satisfação: “Até parece que o Theo não vai dar conta, haha. Essa mocinha não conhece meus filhos. Então ela acha que alguma vez na vida, seja no Gymboree (a tal da aula em que estávamos) ou na aula de física quântica, um deles vai ter que regredir, voltar para o nível inferior?. Faça me rir”. A mocinha ainda pergunta se ele “moves a lot”, e a mãe responde prontamente: “yessss, a lot!!!”. Juntam-se, então, às outras mães e começam a brincadeira. Itsy bitsy spider, aviãozinho, tudo muito legal. Até que todas se levantam, seguram seus bebês pelos bracinhos e botam as criaturinhas para caminhar em círculos pelo salão. Mas Theo não fica em pé. Aliás Theo se recusa até mesmo a encostar seus pezinhos no chão. Levanta suas perninhas e faz sua “caminhada” pendurado nos braços da mamãe, que finge que está tudo muito normal e continua andando arcada apesar do filho estar flutuando, sentado no ar como um pequeno buda que levita a alguns centímetros do chão. “Pois bem”, pensa a mãe, “essas crianças já são bem maiores, já devem ter mais de um ano. É por isso que elas estão assim, firminhas, parando de pé, andando”. Todos sentam e vão brincar com as bolas. Theo senta apoiado na mãe, cambaleando pra lá e pra cá e não brinca com bola nenhuma, porque caso ele tire as mãozinhas do chão ele capota. E como é muito sábio esse guri, ele fica lá, com as mãozinhas bem grudadinhas no chão, só observando a bebezada se divertindo e começa a achar a coisa já não mais tão interessante assim. Mamãe começa a achar a mesma coisa e entende que o “move” ao qual a mocinha se referia não era um simples sacudir frenético de braços e pernas e sim algo muito mais coordenado, elaborado e com objetivo definido. Do nosso lado, o Oscar, um bebê grandinho, todo fortinho, que engantinha pra lá e pra cá e vai atrás de todas as bolas, se encanta com o Theo. Só quer ficar do lado dele, passar a mão no rosto dele, pegar na mão dele. Mamãe que sabe muito bem que comparações são proibidas quando se trata de desenvolvimento infantil, porque bebês são diferentes uns dos outros, cada um se desenvolve em um ritmo, alguns atingem certos marcos antes, outros depois e etc. e tal., não resiste e resolve comparar: “Quero ver quanto tempo tem esse bebê que sabe fazer um monte de coisas. Deve ter quase um ano, com certeza”. Vira-se para a mãe de Oscar e, sorridente, comenta: “Oh, que bonitinho. Quanto tempo ele tem?”. E a reposta: “Seis meses”. Acabou o sorriso. Acabou a tolerância. Acabou a sensatez e a compreensão das diferenças, que aliás é muito mais fácil de ser praticada quando o nosso filho está por cima da carne seca. Daí pra frente Theo, que já tinha começado a desconfiar que aquilo ali não era ambiente para ele, resolve se tornar o chorão da turma. Coloca no chão ele chora, levanta ele chora, bota de barriga pra baixo ele chora, canta musiquinha ele chora. A mãe sente-se desamparada e perdida, mas não deixa que esses sentimentos ruins tomem conta dela e, imediatamente, bola um plano que a faz sentir muito melhor: nada mais de lavar louça, arrumar a casa, lavar roupa. Seus dias agora serão inteiramente dedicados a fazer do Theo um Oscar. Exercícios com bola, chocalhos, pandeiros, de barriga pra cima, de barriga pra baixo, de pé. Telefona para o marido e revela a descoberta: “o Theo é praticamente uma amebinha”, e a solução: “precisamos nos empenhar para que essa situação mude”. Vai buscar a filha mais velha na escola e recebe a notícia que ela recebeu mais um prêmio. “Competitivos são os ingleses não eu”, pensa a mãe, muito orgulhosa da filha mas lembrando o quanto repudia esse negócio de estrelinhas, pontos e eu-sou-melhor-que-você. Começa a recobrar a sanidade e, na volta pra casa, já vai desistindo de por em ação seu plano BOPE de treinamento para bebês. A noite, depois de dar a mamadeira, olha praquela coisa pequenina, careca e sorridente e fica muito feliz por ele ter apenas seis meses, por ele mal saber sentar ainda, por ele caber inteirinho no seu colo. Lembra que tudo tem seu tempo e deseja que esse tempo demore pra passar, porque depois não tem volta. Dia seguinte, vão os dois felizes para aula dos bebês de 0 a 6 meses e se divertem muito.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O QUE EU NÃO POSSO SER QUANDO CRESCER

Dona de casa. Eu, definitivamente, não posso ser dona de casa. Essa foi mais uma das revelações que a vinda para a Inglaterra me proporcionou. Também passo a admirar mais do que nunca as que escolhem, voluntariamente, "dona de casa" como profissão e passo a idolatrar as que, escolhendo essa profissão, a executam com graça, leveza, amor e alegria. E pra isso gente, tem que ter muita vocação. Não basta você decidir que vai ser dona de casa e sair fazendo as coisas por aí. Simplesmente não vai funcionar e o resultado vai ser uma profissional frustrada, cheia de rancor e ódio em seu coração, que não consegue organizar seu dia de trabalho e, como consequência, tem rendimentos baixíssimos apesar de trabalhar sem uma pausa sequer pro cafezinho. E eu que, nos momentos que deixei de trabalhar fora para cuidar mais dos filhos e de mim mesma, me intitulava, orgulhosamente, como dona de casa. Que farsa, que embuste, que vergonha para a classe. É muito difícil admitir, mas, naqueles tempos, havia muito de madame em mim (ou seria de Madame Mim em mim?). O que eu fazia era simplesmente o que toda mãe, trabalhando fora de casa ou não, faz: ir à feira, ao mercado, farmácia, comprar uniforme, presentinho pras professoras e pros coleguinhas da filha, organizar festinhas de aniversário, levar e buscar na escola e na natação, ligar pro eletricista, encanador, pedreiro, pintor, marceneiro. É bastante coisa? Eu acho que sim. Mas eu tinha o dia inteiro pra fazer isso, enquanto as mães que têm outro trabalho rebolam pra fazer tudo isso e mais um pouco depois das seis da tarde, no intervalo do almoço ou enquanto esperam o sinal abrir. Ou seja, naquelas ocasiões, tive uma vida com muito mais qualidade e tempo pra família. E isso galera, não tem nada a ver com ser dona de casa. Aquela que tem sempre em mente o que vai ser servido no almoço e na janta e ainda tem todos os ingredientes necessários no armário, organiza, limpa, faxina, determina qual o melhor momento para varrer, passar aspirador, tirar pó, lavar roupa escura, lavar roupa clara, passar pano no chão, lavar banheiro e executa tudo isso com uma destreza impressionante. Termina tudo a tempo de jantar tranquilamente com a família, por a criançada na cama as oito da noite, escrever no blog e sentar despreocupadamente no sofá, ao lado do marido, para assistir a um filme e beber um vinhozinho. Não, essa realmente não sou eu. Eu não tenho esse talento (o que é, de fato, muito decepcionante, uma vez que aos trinta e não sei quantos anos eu ainda não sei exatamente para o que eu tenho talento). Minha roupa é incrivelmente mal passada, a minha costura é incrivelmente mal feita, minha comida… bem… que comida?, tenho dificuldades com esse negócio de separar roupas claras, escuras, que soltam pêlo, que absorvem pêlo e, volta e meia, alguma coisa dá errado, passo horas esfregando o banheiro e acabo descobrindo que usei o produto, o instrumento e a técnica errados e o negócio ficou pior do que estava, demoro anos pra executar cada tarefa e não consigo me programar, de maneira que meu almoço fica pronto, inevitavelmente, as três da tarde e as onze da noite ainda tenho uma pilha de roupas pra passar. Desastre! Esse é um emprego ao qual eu não vou me candidatar quando voltar ao Brasil. Preciso pensar em outra coisa rápido.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

SCHOOL BAG IN HAND



Após intermináveis férias, Clara vai para a escola dos ingleses (como ela diz), vestida de modo adequado para a ocasião. Porque, como bem disse uma coleguinha dela que encontramos ontem na loja de uniformes "here, you have to look smart". Ou seja, aparência é tudo. Então, "simbora" colocar uma gravata na Clara. Porque afinal, nada mais apropriado do que uma gravata para uma criança de sete anos ir à escola. Mas, enfim… inglesisses à parte, estamos muito felizes porque achamos uma escola legal e que, apesar de ser católica (yes, I know), é aberta a todas as crenças e descrenças, não tenta catequizar ninguém e é cheia de gente simpática, com propostas que nos agradam e que estão preparadas e animadas para receber uma estrangeirinha. E esse capítulo começa com uma mãe cheia de orgulho porque a filha está enfrentando esse desafio com muita coragem e determinação e com uma filha cheia de orgulho porque a mãe enfrentou o desafio de costurar o emblema da escola no blazer. E depois de tantas férias e tanto orgulho, surge uma esperança de ressuscitar o pobre do blog abandonado.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MEDIDAS PRÁTICAS, MAS NÃO MUITO EFETIVAS


Clara resolvendo seu problema de falta de intimidade com a língua inglesa:
“Pai, se me perguntarem alguma coisa em inglês eu não souber responder você pisa no meu pé. Se você pisar uma vez, eu respondo yes. Se pisar duas vezes, eu digo no. Se pisar três vezes, eu falo I don’t speak english. Se você pisar quatro vezes, meu pé fica inchado”.

Ah! Não posso esquecer de dizer que é claro que eu estou participando do sorteio de lançamento do Minha Mãe que Disse! Estas meninas são divertidas, inteligentes, criativas e cheias de atitude. Botaram a mão na massa e criaram o ponto de encontro definitivo das mamães brasileiras, blogueiras ou não, na internet. Parabéns gurias!

sexta-feira, 22 de julho de 2011

VINTE DIAS


Vinte dias de Inglaterra e, até agora:

- já temos um apartamento (quase organizado), dois celulares e acesso (muito, mas muito ruim mesmo) à internet
- já andamos bastante pela cidade e eu já consigo saber, mais ou menos, pra que lado fica cada coisa
- já andamos algumas vezes naqueles taxis ingleses que aparecem nos filmes e achamos bem legal porque cabe a família inteira, incluindo o Theo com seu carrinho
- já andamos muitas vezes de ônibus e achamos mais legal ainda porque os bancos são confortáveis, sempre tem assento livre, também cabe a família inteira com carrinho do Theo e tudo e é mais barato que o taxi (se bem que nem tanto)
- já comemos fish and chips, shepherd’s pie, cornish pasty, chicken and mushroom pie, beef and ale pie e mais um monte de outras coisas calóricas e muito boas
- já descobri (e fiquei muito feliz com a descoberta) que aqui é o paraíso da comida pronta de boa qualidade. Tanto da comida pronta-pronta do tipo é só esquentar, como da comida quase-pronta do tipo cortadinha, temperada, fracionada, ponha tudo na panela, conte até 50 e tenha um lindo, e saboroso e fresquinho jantar. E esse jantar pode ser fajitas, estrogonofe de carne, chicken tikka masala, caranguejo, coquille st. James, salmão defumado, haddock, bacalhau, lula, peru recheado, carneiro ao molho de sei-lá-o-que, ..., ou seja, tudo o que eu jamais saberia fazer
- ainda não fiz a mão
- já olho para o lado certo quando vou atravessar a rua
- já não acho mais tão estranho os carros andando sem ninguém estar do lado do motorista
- ainda não comprei nada em benefício próprio (nenhuma roupa, sapato, maquiagem), apesar de estar tudo em promoção (talvez, em um futuro não muito distante, eu me arrependa dessa minha fase consumismo-free)
- em compensação, já gastamos bastante dinheiro comprando coisas para a casa, ou que ajudem na nossa instalação aqui
- já entendemos que nunca se deve sair de casa sem um guarda-chuva, mesmo que não haja uma única nuvem no céu e que a metereologia tenha jurado que não choveria o dia todo
- já percebi que o verão daqui é bem diferente da ideia que eu tenho sobre verões e que aquele monte de vestidos e blusas de alcinha que eu trouxe só vieram aqui a passeio
- já deu pra sentir muitas saudades da família, dos amigos, da casa, das gatas, da cidade.

terça-feira, 12 de julho de 2011

MINHA FILHA TEM UM BLOG

A professora da Clara sugeriu que ela mantivesse um diário enquanto estivesse aqui na Inglaterra, assim ela poderia treinar a escrita e ter uma recordação do tempo que passou aqui. Todo mundo se empolgou com a história, menos a Clara. Até que, passeando pelo centro de Norwich, ela achou um diário ma-ra-vi-lho-so (segundo ela) e passou os dias seguintes escrevendo enlouquecidamente. Eu sugeri, então, que transformássemos o diário em blog. Assim, a família e os amigos, que sempre estão a espera de notícias, poderiam saber (em detalhes) como está sendo nosso dia-a-dia por aqui. A proposta, então, é a seguinte: ela escreve no diário e eu ou o pai transcrevemos para o blog. Fazemos isso junto com ela, corrigindo os erros de grafia e pontuação (para que isso sirva, também, como aprendizado para ela), mas não trocamos, eliminamos nem adicionamos nenhuma palavra. Quem quiser dar uma olhada é só ir aqui.

terça-feira, 5 de julho de 2011

TUDO É RELATIVO


Ideia de uma viagem bem sucedida SEM FILHOS:

  • Os voos não atrasam.
  • Você chega no aeroporto com antecedência e tranquilidade.
  • Você aproveita os longos tempos de espera pra tomar um café, passear tranquilamente pela livraria, fazer uma massagem e umas comprinhas no freeshop.
  • Consegue ler várias revistas e uma boa parte de um livro (ou o livro inteiro).
  • Assiste a dois filmes ao longo da viagem.
  • Consegue até dar uma dormidinha no avião.
  • As malas chegam e com tudo dentro.

Ideia de uma viagem bem sucedida COM FILHOS:

  • Os voos não atrasam.
  • Você consegue se arrumar, arrumar a criançada e catar toda a tranqueira e, milagrosamente, chega no aeroporto com antecedência e tranquilidade.
  • Você aproveita os longos tempos de espera para trocar fralda, dar remédio, mamadeira, ajudar sua filha mais velha a ir ao banheiro e alimentá-la e consegue terminar tudo antes do embarque.
  • Seu filho de três meses dorme praticamente a viagem inteira e, quando acorda, fica distribuindo risinhos pra galera.
  • Sua filha de sete anos se comporta maravilhosamente bem, não reclama de nada e consegue até dar uma dormidinha no avião.
  • Ninguém vomita.
  • Todos chegam com as mesmas roupas que saíram.
  • As malas chegam e com tudo dentro.
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Tirando o último item, todos os outros foram atendidos na nossa jornada de 24 horas rumo à Inglaterra. Mesmo com o não cumprimento deste item, posso dizer que nossa viagem foi sim muito bem sucedida. Mesmo porque, no dia seguinte à nossa chegada, já estávamos com todas as malas novamente.