* Esse texto foi adaptado do texto publicado pelo Renato Essenfelder (http://blogs.estadao.com.br/renato-essenfelder/2014/03/17/conselhos/). Mudei algumas coisinhas e não transcrevi outras para que ele refletisse mais a realidade minha e da Clara.
Filha,
você está com 10 anos agora. Que idade bonita. Não é nem muito criança nem grande demais para se fechar em si mesma. Os mistérios do mundo continuam aí, à sua frente, e você ainda é sensível a eles.
Continua no ar a magia das assombrações, a magia que não tocamos nem vemos, mas que se percebe ao nosso redor. Continua o medo do escuro, e você correndo para a minha cama antes que eu possa impedir. Tem ainda fresca a tela infinitamente colorida da imaginação, mas também já descobriu a pequenina e poderosa lâmpada da razão, sabe onde está a luz do livre pensar. Já sabe respirar fundo e atravessar a rua – a rua, filha, tão assustadora rua, que parecia infinita e intransponível ainda ontem, mas que logo você vai dominar. Dá os primeiros passos no teu próprio caminho.
Queria te dizer umas palavras, filha, e registrá-las aqui para que não possam nunca se perder. Guarde com você, de todas as formas. Mesmo quando brigarmos, quando amar e odiar tudo misturado ao mesmo tempo – a mim e ao mundo –, quando o horizonte se alargar até sangrar a vista e você chorar diante de tantas opções que não acabam nunca: tenha estas palavras perto de você.
Eu queria te dizer o óbvio, meu amor, porque pouca gente enxerga ou diz o óbvio hoje em dia, e é importante lembrarmos das pequenas coisas. Eu queria que você cultivasse a vida inteira muito bom senso, inclusive para me contrariar. Isso resolverá mais da metade dos teus conflitos. Um pouco de bom senso (equilíbrio e capacidade de se colocar no lugar dos outros) antes de falar, agir, condenar, e você terá mais paz em tudo.
As provas, filha, são quase sempre meio bobas. As provas de matemática, português, todas elas. Adoro quando você tira dez nelas, é claro, mas prefiro que você seja feliz, e que tire dez na vida. Os prêmios, aqueles de bom comportamento, ou a opinião boba dos outros, elogios de quem mal te conhece, essas coisas não valem quase nada. Esteja em paz consigo, goste de quem você é, orgulhe-se de si, e não de coisas circunstanciais como uma nota ou um desenho ou o elogio de um estranho, e você vai ser bem mais feliz.
Mas o que eu queria dizer mesmo é isto: o melhor da vida é a vida. Pode parecer uma bobagem, e perdoe a redundância. O melhor da vida é a vida, é tudo o que está vivo, Clara. Quando eu digo isso, digo que você não se aborreça nem se encante com objetos. Nada do que não tem vida merece muita estima: nem roupas nem sapatos nem esmaltes nem maquiagens nem carros nem a mobília que a gata arranhou nem a bolsa ou camiseta daquela marca famosinha. O mundo tem milhões de tudo isso e, a não ser que esses objetos nos remetam a pessoas e memórias especiais, eles são bobos.O melhor da vida são os seres vivos, trate-os bem. Estou falando das suas amigas, da família, mas também dos animaizinhos e das plantas. Cuide de tudo o que tem vida. Você pode ter todas as roupas do mundo e não curtir mais do que um sorvete comigo à tarde (poucas coisas são tão boas quanto estar com você na tarde de um dia qualquer).
Trate bem as pessoas. Se você puder ajudar alguém, ajude. Às vezes um gesto que não lhe custa muito pode mudar a vida de alguém.
Mas também não se sacrifique demais, isso não é bom.
Ponha-se em primeiro lugar, sempre, no sentido de procurar estar bem antes de fazer o bem. Alguns vão torcer o nariz e podem dizer que isso é egoísmo, mas não ligue. Lembra das instruções do avião? Eles dizem que, se caírem máscaras de oxigênio do teto, você deve pôr a sua antes de ajudar a pessoa ao seu lado. Eu quero que você seja assim na vida: quando faltar ar, cuide primeiro da sua reserva, e depois imediatamente faça tudo o que puder para ajudar as pessoas à volta. Sem o seu próprio ar você desmaia, filha, e não ajuda ninguém.
E lembre-se: seja gentil. Mesmo que o mundo não seja gentil com você. Mesmo que ele te bata, atropele e esmague sem que você se dê conta. Você não precisa revidar à altura, não precisa quebrar a cara do mundo – até porque isso é impossível, ele é muito grande e disforme, e você é só uma garota. Mas você vai levantar, sempre. Você sempre vai levantar, não importa a altura do tombo, e vai seguir em frente sem confundir o buraco com o chão, a parede com o horizonte. Não ache que o mundo é horrível porque há tantos horrores nele. Não perca a perspectiva das coisas. Um dia é só um dia, e você terá uma vida longa pela frente. Aprenda com seus erros e siga adiante.
Não se preocupe, também, se não alcançar o pico da montanha. Não se cobre demais, não se exija demasiado. Não seja nem medíocre nem paranóica. Dê o seu melhor e vá descansar. É justo.
Não é só do alto da montanha que a vista é bonita. Desde o chão a gente pode achar flores – lembra de como o chão te fascinava quando era pequena? Cada pedra de cor diferente, cada trevo ou florzinha ou pedacinho de papel! Coisas tão especiais e tão cheias de significado em um simples passeio pela praça!
Esqueça “certo” e “errado”. Não sinta culpa por mais de um dia. Viva com amor e alegria, seja justa e equilibrada (jamais “boazinha”). Cuide do teu corpo e cabeça, não faça nada estúpido para se enturmar com pessoas estúpidas. (Lembre: bom senso.)
A vista é bonita durante boa parte da caminhada. Se não for, transforme-a. Se não puder, apresse o passo. Chore, se for preciso, e não tenha vergonha disso. Só não fique parada.
Seja otimista, porque no fim tudo dá certo, sempre.
Eu te amo muito minha princesa. A única coisa que realmente desejo é que seja feliz. Tão feliz quanto eu me sinto desde que você chegou em minha vida.